quinta-feira, 8 de julho de 2010

Um fragmento para morte do Zeca

"Da primeira vez, eu senti o braço molhado. Estava deitado, em meu leito, esperando o sono. De repente, um frio na pele me alertou: por ali se derramava um líquido, escapado de alguma fresta. Foi então que a visão me horrorizou: a água, afinal, vinha de todos lados, do chão, do teto, a água acorria a me buscar, sua língua azul me vinha arrancar deste mundo. Não tardaria que perdesse respiração, cercado por dentro e por fora. Levantei-me e, conforme escapava pelo quarto, o chão se molhava.

Foi apenas a primeira vez. Esse sonho de afogamento passou a suceder sempre que adormecia. Às vezes me envolvia o mar, outras parecia me afogar no meu próprio sangue. Mar e sangue, sangue e mar. O que diziam esses sinais? Que trazemos oceanos circulando dentro de nós? Que há viagens que temos que fazer só no íntimo de nós? O sangue e o mar, suas parecenças me ressurgiam agora em punição de alguma desobediência.

Luarmina, lembrei de seu rosto, seus olhos me fitando como se ela sempre tivesse estado ali, como se fosse apenas mais uma das noites de uma inteira vida. Todas as vezes que ela despetalou flores, nesse «mar me quer-bem me quer», afinal, era já o meu amor que desfiava aquele gesto dela?

Escutando o mar adormeci. Mas não era eu todo que adormecia. De igual maneira que meu pai morreu em porções, agora eu caía no sono às partes, uma de cada vez. Primeiro, foi a memória que tombou em abismo, inexistindo. Como se o mar ensinasse, por fim, minhas lembranças a adormecer. Como se a minha vida aceitasse o supremo convite e fosse saindo de mim em eterna dança com o mar. "

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