quarta-feira, 9 de junho de 2010

Do Caderno do Diretor - Página I

Em Natal, muito calor!

Desde que cheguei aqui nessa cidade o sol é eterno e o calor intenso!
Muito trabalho sendo feito, muitas idéias pipocando, muitos olhares e transformações sempre.

Antes de chegar a Natal, durante a semana em que estive longe da sala de ensaio, do elenco e da obra in process, me dei conta do lugar onde o processo está a partir da linha cronológica das nossas atividades que iniciaram em dezembro de 2009. Até aqui, desenhamos a nossa leitura do Mar Me Quer, a partir da obra do Mia Couto. Até março, não sabíamos como seria a montagem, sabíamos o que encenaríamos, mas o como?... não sabia!


E eu, diretor, me deixei levar pelo dia-a-dia do processo para construir esse edifício que hoje temos. Mas ainda tem muito o que fazer, tem que colocar portas e janelas, fazer instalações elétricas e hidráulicas, rebocar, passar a massa, lixar, pintar e decorar. Fizemos uma parte do trabalho, e agora é a hora de limpar, definir, colorir, partiturizar... e isso pode e certamente gerará muitas mudanças, sejam na divisão dos personagens, no deslocamento dos atores, nas vias de interpretação...

Sabemos que temos um produto bom, mas que precisa ser muito melhorado, para ser possível de compartilhamento verdadeiro com o público. Os amigos que até então assistiram aos nosso ensaios, gostam do que vêem... mas porque? - me pergunto. E me respondo no ato: porque é diferente de tudo o que A Outra já fez, porque em cena o elenco se respeita e comunga de uma encenação que exige cumplicidade, jogo e atenção máximas. Mantemos a proposição de um cenário móvel, de uma dramaturgia que tem a mão d'A Outra em sua re-criação, mas tem um salto que todo mundo reconhece e que é difícil de ser identificado... Mas por outro lado, é nítido que as pessoas sentem um cansaço em determinado ponto da peça... onde? porque? É aí que está nosso trabalho. É aqui que ganha força o trabalho feito por Diana de estabelecer gráficos que refletem a dinâmica das cenas, pensando numa dinâmica geral da obra geral.

E não tenho dúvida que é de extrema importância que os atores estejam conectados: uns com os outros, com o espaço, com a obra, com os objetos, com o figurino, com o cenário, com as músicas... É imprescindível, que o elenco tenha uma propriedade do que é executado em cena. E isso significa: saber o existe, os trânsitos, a sequência das cenas; e mais do que isso, significa ter viva em sua consciência uma série de perguntas básicas:
  • O que?
  • Quem?
  • Onde?
  • Como?
  • Por que?
  • Pra quê?
  • Para quem?
E isso dará a cada signo estabelecido na encenação um significado que justificará sua existência. Daí, é valiosa a observação do Fernando Yamamoto após o ensaio na noite de segunda-feira: "existem as peças do jogo, precisam ser criadas as regras" (foi mais ou menos isso). Temos nossos signos e códigos definidos - O que? / Quem? / Onde? / Para quem? já temos e sabemos, mas e o Por que? / Pra quê? - essas duas perguntas apontarão novos entendimentos e certamente outros estados, relações, jogos, atmosferas, interpretações... ou seja: outras verdades!

Me dei conta, ainda, que temos uma estrutura fragmentada de encenação, que difere um tanto da obra literária do Mia Couto. O Mar Me Quer - tanto o conto quanto a peça - sugerem uma leitura linear, envolvente e rica em imagens. Me distanciando do trabalho, avaliando-o e até mesmo teorizando-o, percebo que a encenação é uma grande colcha de retalhos, cheia de fragmentos e imagens - assim como muitos trabalhos d'A Outra e entendo/aceito/identifico como uma linguagem do grupo. São cenas que acontecem simultaneamente, leituras múltiplas e uma estrutura que se baseia no jogo entre os atores e o que existe no espaço. Daí, me questiono (e Manu ainda ontem de madrugada me indagou): porque essa estrutura fragmentada para um texto que se propõe linear? Foi proposital, pensado, uma escolha? Foi por conta do elenco? É reflexo do processo?


Respondo mais tarde... agora tenho que ensaiar! O elenco já está desde cedo trabalhando - é preciso um espaço de tempo para que eles desenvolvam suas tarefas de casa, se apropriem das indicações, registrem as alterações que são cada vez mais intensas e em curto tempo, com necessidade de respostas rápidas para que o trabalho avance...

Luiz Antônio Jr.

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